Mary Temple Grandin já foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Times. Diagnosticada aos 2 anos com “dano cerebral” é um exemplo de pessoa no espectro autista, independente e que fez e faz a diferença na vida de muitas e muitas outras pessoas.
Sabe o K-drama sobre o qual comentamos aqui ‘Uma Advogada Extraordinária’? Poucos sabem mas foi inspirada em Temple Grandin.
Nascida em Boston, USA, em 1947, foi professora durante 30 anos na Universidade do Estado do Colorado.
Conhecendo um pouco do enorme legado de Temple
Temple Grandin é psicóloga com PhD em zootecnia e revolucionou a indústria pecuária desenvolvendo máquinas e meios de cuidar do bem estar dos animais. No Brasil, projetou currais de manejo de gado. Escreveu dezenas de livros voltados, principalmente, para o comportamento e bem estar animal. O seu amor pelos animais transcende.
Segundo ela própria, o fato de ser autista possibilitou que compreendesse melhor os animais. Resolveu estudar psicologia se especializar em comportamento animal.
Em várias palestras ela procura compartilhar a sua jornada e os desafios superados sendo, consequentemente, um exemplo, apoio e inspiração para muitos pais e mães que têm filhos no espectro autista.
Afirma que seu objetivo é insperar jovens ques são “diferentes” como ela.
Sua infância
Temple diz ter tido uma infância difícil. Tanto para ela quanto para os que conviviam com ela, pois tinha muitas dificuldades de interação com outras pessoas.
Não conseguia falar quase nada até os 4 anos.
Mostrou os sintomas clássicos do autismo logo nos primeiros anos. Falava pouco, não gostava de ser abraçada ou tocada e algumas vezes saía do sério ficando com raiva quando provocada.
Na época, anos 50, não era incomum diagnósticos mal feitos e recomendações equivocadas de tratamento. No caso de Grandin, disseram aos seus pais que sua filha estava com o cérebro danificado e sugeriram colocá-la numa instituição para cuidados a longo prazo. O que não aconteceu. E sobre isso a gente fala mais pra frente…
Quando criança estudou com professores especiais. Mas depois, em escolas de crianças “normais”. Ela não entendia porque riam dela e a perseguiam (sofria bullyings) pois no seu entendimento todos pensavam igual a ela.
Pois é, a criança “normal” quando percebe que alguém é “estranho”, pode ter atitudes crueis. E cabe a nós pais, mães e responsáveis pela criação das nossas crianças explicar que somos diferentes sim em muitas questões e precisamos respeitar essas diferenças. É importante mostrar-lhes o significado da empatia, do colocar-se no lugar do outro.
Adolescência e descobertas…
Quando Temple Grandin entrou na puberdade, teve um sério problema de ansiedade e os exercícios físicos a ajudaram muito. Até hoje ela faz 100 abdominais diários. É uma rotina sagrada. Relata que se não fizer não consegue dormir direito.
Adolescente, as coisas começaram a melhorar. Numa visita à fazenda da tia ela viu uma máquina que, com sua pressão, conseguia tranquilizar as vacas. Então, inspirada nela inventou algo semelhante para fazer o mesmo com as crianças com autismo: ‘A máquina do Abraço’.
O abraço tranquilizava as crianças autistas com dificuldades de contato com as pessoas. Elas aceitavam bem esse abraço.
Estar entre as vacas e andar a cavalo foi uma grande terapia para ela. Diz que assim tornou-se mais empática.
O papel da sua mãe em sua vida
Após o diagnóstico aos 2 anos de “dano cerebral”, sua mãe a autodiagnosticou com autismo quando Temple já era adolescente. O diagnóstico formal só veio quando ela já tinha mais de 40 anos.
Eustacia Cutler (nome de solteira da sua mãe), formada em Harvard, além de cantora e compositora escreveu para grandes de rede de TV sobre lições escolares. Sua pesquisa sobre o autismo foi base para 2 documentários importantes.
Seu livro A THORN IN MY POCKET de 2006 descreve a criação de Temple nos anos 50 quando as crianças com autismo eram rotineiramente diagnosticadas como esquisofrênicas e encaminhadas para instituições.
E foi essa grande mulher que dedicou o seu tempo para melhorar a vida da filha. Assim como muitos pais e mães anônimos também dedicam aos seus filhos
Quando falaram do “dano cerebral”, Eustacia a levou a filha a um neurologista. E o neurologista recomendou uma fonoaudióloga.
A família pôde também pagar um cuidador cujo trabalho era BRINCAR com Grandin impedindo-a de se isolar num canto como preferem as crianças autistas
Essa intervenção precoce fez toda a diferença na vida de Temple.
Afinal, o que é o Autismo?
Autismo é um transtorno caracterizado por alterações no comportamento e na comunicação. Transtorno do Espectro Autista (TEA) é a denominação oficial.
Pessoas autistas podem apresentar alterações sensoriais e respondem de maneira diferenciada aos estímulos do ambiente.
O autismo é bem amplo e hoje tem escalas definidas de avaliação, baseadas no nível de dependência da pessoa e da intensidade das características. Mas nenhum caso é igual ao outro. Num mesmo nível podem existir especificidades diferentes.
É sabido que o autismo não tem cura. É permanente. NO ENTANTO, a ciência comprova que a intervenção precoce pode suavizar E MUITO as características. Assim como fez a família de Temple.
São muitos os exemplos de pessoas diagnosticadas no espectro autista que têm uma vida produtiva, independente e feliz.
O testemunho e a preocupação de Temple Grandin
“O mundo necessita de todos os tipos de mente”. Esse é um dos lemas dela. E sua forma de explicar o autismo mudou a forma como o autismo é entendido no mundo.
Numa live em comemoração aos seus 73 anos, há dois anos e em plena pandemia, Temple fala sobre o seu legado e afirma que o seu propósito é inspirar jovens que são “diferentes” como ela.
Temple Grandin trabalhou em grandes projetos e relata que ao menos 20% das pessoas que estavam com ela nesses projetos (pessoas de planejamento, designers, designers de máquinas e pessoas que faziam soldagem) provavelmente eram autistas, disléxicas ou tinham déficit de atenção ou hiperatividade. E aponta um grande problema nos dias de hoje.
Sua preocupação:
Muitas escolas removeram as atividades manuais: arte, teatro, costura, culinária, etc. E essas atividades são essenciais para o desenvolvimento dessas crianças consideradas “diferentes” pois as habilidades são desiguais. Então, expô-las a essas atividades diversas é muito importante para que elas identifiquem aquilo em que sejam boas e aperfeiçoem ( aquilo em que são boas).
Foi o que aconteceu com Temple, por exemplo. Ela é extremamente visual. Sempre gostou de desenhar. Desenhava cabeças de cavalo. E com orientação foi desenvolvendo a habilidade. Desenhando o cavalo completo, o ambiente em que o cavalo vivia…. e assim foi. E vejam onde chegou!
Uma das grandes preocupações de Temple é que “as crianças não estão aprendendo como trabalhar”. E conta um pouco como foi a sua infância nesse sentido.
Durante 3 anos enquanto estudava em um colégio interno, praticamente gerenciava um celeiro. Limpava 9 estábulos todos os dias, alimentava os cavalos, colocava e tirava os cavalos do celeiro.
Quando ela olha pra trás se dá conta de que ali estava sendo preparada para o trabalho. Com essas responsabilidades. São pequenas tarefas que nós podemos delegar sabe? Isso vai fazer toda a diferença lá na frente.
Hoje as crianças não estão fazendo essa transição para trabalhar.
Aqui no Brasil, 8 em cada 10 autistas estão fora do mercado de trabalho
Sobre “rótulos”
Segundo Temple, metade dos programadores das grandes empresas de comunicação têm, muito provavelmente, algum grau de autismo. Eles só não foram “rotulados”. São muito, muito bons no que fazem.
Ela comenta que em grupo de pessoas verbais, as habilidades são desiguais. Uns são extremamente bons em alguma coisa e extremamente ruins em alguma outra coisa. No caso das crianças no espetro autista ela defende que: “Nós temos que construir força”. Explica que, ao percebemos que existe ARTE no universo de interesse da criança, a mente dela está voltada para a arte. Desenvolvendo essa habilidade, a criança pode tornar-se por exemplo, uma design, estilista, fotógrafa, pintora…
…Se a criança gosta de consertar e construir coisas, a área de MECÂNICA pode ser o seu caminho no futuro. Se tem a mente em matemática, Programação de Computador (a parte mais matemática da engenharia) é uma profissão possível pra ela.
Mais um reforço da importância da intervenção precoce. Nossos “diferentes” podem ir longe. Muito longe.
De fato uma pessoa inspiradora
Hoje Temple revela que já gosta de abraços 🙂 É muito querida pelos alunos. Inclusive já pagou pela educação de 20 estudantes seus para conseguirem seus diplomas de mestrado ou doutorado.
Diz ser amiga de pessoas com interesses em comum. Como animais, engenharia da construção e autismo.
Quando a perguntaram sobre o sentimento da sua mãe de não ter uma demonstração de afeto para com ela, como forma de dizer que a amava, algo do tipo, ela respondeu:
“A criança autista é leal. Se a casa estiver pegando fogo ela vai salvá-la. Ela será a pessoa que você vai querer por perto”. Essa é a forma de Temple dizer o quanto ama a mãe, é grata e fiel a ela.
No final da live, fez uma reflexão que deixou os interlocutores de olhos marejados e nó na garganta. Foi sobre o significado da vida. Ela de forma muito simples e humana disse:
“São as coisas que você faz que ajudam a tornar um mundo um lugar melhor”
Verdade Temple. É isso…
Há um filme sobre a vida dela, com o seu nome, feito em 2010 e disponível no HBO MAX. Vale a pena assistir.