A princípio, a série Ginny e Georgia seria para mim um passatempo em que a gente senta no sofá e pensa que vai abstrair, relaxar e se divertir um pouco com o cotidiano de Georgia, mãe solteira, jovem, com seu casal de filhos, sendo uma adolescente (Ginny)… só que não!
Não dá para simplesmente assistir e abstrair. Somos pais, mães, filhos, responsáveis por alguém, amigos. Temos personalidades diferentes e ao mesmo tempo semelhantes em algumas questões. Experiências de vida diversas. Alguns têm um “baú” fechado com segredos guardados que gostaria de esquecer e sofre em silêncio com a possibilidade de serem revelados.
Somos muitos, somos diversos, somos gente. E aí não dá pra ficar indiferente às situações apresentadas na série. Ao menos pra fim foi assim.
A série americana Ginny e Georgia está disponível na Netflix em duas temporadas. Cada uma com 10 episódios e atualmente está em nono lugar nos Top 10 da Netflix Brasil.
O núcleo adolescente
Há o núcleo aparentemente mais leve de adolescentes e suas necessidades de aceitação, pertencimento a algum grupo; suas transgressões, relacionamentos, enfim.
Digo ‘aparentemente’ pois esses adolescentes têm muitas dores.
Chama a atenção a necessidade de em alguns momentos tentarem transparecer um bem estar que de bem estar não tem nada. Felizmente alguns têm amigos próximos com os quais sentem-se a vontade para dividir os seu pensamentos, os seus momentos. Outros já têm consciência de que precisam de ajuda. E isso é bom. Nada diferente do que vivenciamos fora das telinhas, não é mesmo?
Há uma passagem em que um deles pensa sobre a sua depressão. Um momento difícil que nem a namorada pecebe. Compartilho mais pra frente pois acho importante entendermos o que se passa com quem vivencia um momento difícil como esse.
E esse comportamento do adolescente procurar transparecer estar sentindo algo que na verdade não está, também é um comportamento de muitos adultos. Precisamos estar atentos. Não dá pra jogar tudo pra debaixo do tapete pois vai chegar uma hora de que o “tapete” não vai dar conta.
Max, interpretada pela atriz Sara Waisglass, na minha opinião se destaca desse grupo. Ela é dramática, engraçada, sensível, as vezes egoista, explosiva, amiga… Diferenciou-se dos demais. Arrancou algumas gargalhadas de mim.
Quem é Georgia?
Georgia, interpretada pela atriz Brianny Howey, ao seu modo (muitas vezes nem tão ‘convencional’ e bem transgressor) procura dar aos seus filhos o que ela não teve. O acolhimento dos seu pais. O fato de “ser cuidada”.
Filha de mãe dependente química, pai desconhecido, abusada pelo padrasto… imaginem as referências que essa mulher, na época criança e adolescente teve. Engravidou aos 15 anos.
A vida fez de Georgia uma mulher forte. Ela escolheu ser forte. Era isso, ou não iria sobreviver na “selva de pedra”.
Bonita, descolada, sedutora, muito inteligente e sempre com um sorriso no rosto, ninguém podia imaginar o quanto ela já havia sofrido e o que precisou fazer para chegar até onde chegou.
Aqui não estou querendo validar todas as ações da Georgia. Ela fez coisas bem pesadas. Mas na cabeça dela estava protegendo os filhos. Fez por eles.
A personagem nos leva do riso às lágrimas em instantes algumas vezes. Com seus segredos, suas escolhas, suas carências, seu amor incondicional por seus filhos.
E Ginny?
Ginny, a filha adolescente de Georgia, tem também suas próprias dores, questionamentos e inseguranças. A começar por não conseguir sentir-se “encaixada”. Primeiro porque ela, a mãe e o irmão até então não conseguiam se fixar em lugar algum. Segundo, porque achava não ser branca o suficiente para ser considerada branca e nem negra o suficiente para ser considerada negra. A mãe é branca e o pai é negro. O nó na cabecinha dela estava grande. Uma adolescente de boa índole, madura, que comete também as suas transgressões e que quer ser aceita e feliz.
Ao longo da série Ginny vai se descobrindo, amadurecendo, se enturmando e também sabendo de algumas coisas sobre o passado da mãe que, na realidade ela não estava preparada para saber.
Georgia do seu jeito protetor e liberal ao mesmo tempo, muitas vezes ultrapassa alguns limites. E isso incomoda muito Ginny.
Uma autoanálise bem tocante sobre um momento em particular.
Aqui transcrevo uma reflexão que um dos personagens fez sobre o momento em que estava passando. Puxado…
” Alguns sentimentos são como velhos amigos.
A depressão é assim pra mim.
Quando não estou nela, não me lembro. Lembro que é ruim.
Eu me lembro da escuridão, mas é diferente senti-la de novo.
É a diferença entre lembrar como é um quarto e passar pela porta.
Estar dentro dele de novo. Sentindo.
Quando começa pode ser devagar.
Um pensamento evasivo. ‘Não quero estar aqui.”
Aí desaparece
O espantamos como uma mosca ou um cheiro ruim, mas quando vem de vez, você se torna isso, vira tudo.
É quem você é. Não é mais nada.
Por fora você continua igual. Sorri e finge. Dá muito trabalho.
Por dentro, a história é outra.
Você começa a se odiar.
Você fica tão sozinho, tão incrivelmente sozinho.
Pode estar com alguém que ama, mas não está presente.
Achamos que sabemos o que acontece com os outros, mas não sabemos o que se passa na cabeça de alguém.
Todo mundo tem uma luta invisível.
Todo mundo tem pontos fracos.
E você sabe que é você. Tem algo errado com você, e é cansativo.
É um saco, cansativo e não tem o que fazer.
É um vazio, e existir exige tanta energia que você quer se enfiar num buraco e se isolar.
Sem precisar sorrir, falar ou existir.
Enfim, é familiar.
Passei por isso antes. Já saí dessa antes, mas sair disso se torna aquele quarto onde você não está.
E isso é assustador”
De repente estamos junto de alguém passando por tudo isso e não nos damos conta. A maturidade do menino em descrever o que estava sentindo foi comovente. Uma conversa dele, com ele…
Chega de spoiler!
Não quero dar mais spoiler do que já dei (apesar de que quase tudo que comentei até então vocês já vão começar a perceber logo no primeiro episódio).
A 2a temporada, lançada agora em 2023, terminou com aquele gostinho de quero mais.
Muitos temas importantes são abordados nessa série. Alguns diálogos me fizeram chorar.
Também tem momentos engraçados viu?! E aí a gente dá uma respirada.
Dizem que o cérebro não consegue diferenciar realidade de ficção. Então a gente vai assistindo, se identificando com algumas coisas, se sensibilizando com outras, se indignando, se surpreendendo, rindo e chorando com os personagens. Comigo foi assim.
O fato é que não sabemos tudo o que se passa na cabeça do outro. Mesmo que esse outro seja muito próximo.
E você? Já assistiu? Me conta! Vou adorar saber 🙂
Fernanda Lemos